A relação entre o ambiente de trabalho e o câncer
Além dos fatores genéticos e de hábitos prejudiciais conhecidos, tais como o fumo de cigarros, o alcoolismo e a alimentação rica em alimentos processados, há ainda um terceiro grupo de risco relacionado à grande maioria dos tumores malignos que se desenvolvem no corpo. Estamos falando da exposição ocupacional.
Quando falamos em “ocupacional”, nos referimos à exposição a substâncias tóxicas e cancerígenas enquanto as pessoas estão em seus ambientes de trabalho, podendo se tratar de uma exposição a substâncias cancerígenas e agentes químicos, biológicos ou radioativos que são prejudiciais ao organismo e podem levar ao desenvolvimento de câncer.
Mas, para entendermos melhor essa questão, vamos exemplificar alguns cenários em que esses tipos de exposição podem ocorrer?
Onde os profissionais correm mais risco?
Em laboratórios, diversos compostos químicos utilizados rotineiramente em experimentos e análises laboratoriais são classificados como carcinogênicos pela Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC). Essa classificação indica que há evidências suficientes para afirmar que essas substâncias têm capacidade de provocar alterações no DNA das células humanas, iniciando um processo que pode culminar na formação de tumores malignos.
Uma situação semelhante acontece nas indústrias que trabalham com fundição de metais e nas indústrias de alumínio, devido à exposição prolongada ao chumbo e ao arsênio, que é comum nesses ambientes.
Nas indústrias de borracha, por sua vez, os trabalhadores são frequentemente expostos à fumaça contendo hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), que são altamente cancerígenos. Além disso, processos como vulcanização podem liberar substâncias tóxicas como nitrosaminas voláteis (VNA), também associadas ao câncer.
Nas fábricas de cimento e gesso há o risco do contato direto com poeira respirável cristalina sílica livre - um agente carcinogênico reconhecido internacionalmente - que aumenta o risco para doenças pulmonares como silicose e câncer pulmonar.
E mesmo na indústria gráfica não se está livre dos perigos. Tintas, solventes e outras substâncias usadas na impressão podem conter compostos orgânicos voláteis (VOCs), que são elementos cancerígenos.
Em clínicas de imagem, a exposição constante à radiação emitida pelos aparelhos que realizam os exames tende a aumentar consideravelmente o risco de desenvolvimento de câncer ocupacional nos profissionais, caso não haja a proteção adequada. Isso ocorre porque a radiação ionizante tem potencial para danificar o DNA das células do corpo humano, levando ao aparecimento de mutações que podem desencadear o processo cancerígeno.
Profissionais que trabalham na agricultura, tendo exposição direta a agrotóxicos, também possuem risco aumentado de desenvolvimento de câncer. E esse é um cenário que, inclusive, ganhou muita atenção em uma região do Brasil devido ao tamanho dano causado que se estendeu por décadas até os dias atuais.
Um caso de destaque no Brasil
O Vale do Jaguaribe, uma região de grande importância agrícola no estado do Ceará, tem vivido um drama silencioso desde a década de 1980. Em meio às suas plantações e rios, esconde-se um perigo iminente causado por agrotóxicos. Essas substâncias químicas, usadas para proteger as culturas contra pragas e doenças, têm contaminado os recursos hídricos locais e desencadeado uma onda de câncer entre trabalhadores rurais e moradores da região.
A problemática começou com a aplicação dos agrotóxicos nas lavouras. Sendo, muitas vezes, realizada sem o uso adequado de equipamentos de proteção individual (EPIs), essa prática expôs diretamente os agricultores a esses produtos tóxicos. Mas o problema foi muito além da exposição direta.
Ao serem lançados no ambiente, os agrotóxicos infiltraram-se no solo até atingir o lençol freático, principal fonte de abastecimento hídrico na região e suas proximidades, contaminando-o severamente com uma série de substâncias tóxicas.
As comunidades da Chapada do Apodi, que fica no município de Limoeiro do Norte, foram as mais afetadas. A água que abastece essas comunidades é utilizada também para irrigação das plantações de abacaxi, melão e banana. Como consequência, as amostras de água coletadas nesses locais apresentaram níveis elevados de agrotóxicos, incluindo substâncias das classes I (extremamente tóxicas) e II (altamente tóxicas).
Relatos médicos indicam que a incidência de casos de câncer foi aumentando progressivamente na região, atingindo tanto os trabalhadores rurais quanto os moradores das áreas próximas às plantações, algo que levou a conflitos, debates e também ações na justiça.
Segundo estudos realizados pela Universidade Federal do Ceará (UFC), as principais incidências de tumores na população da Chapada do Apodi são em fígado, estômago, pulmões, mama e próstata. Os pesquisadores identificaram que a contaminação da água foi a principal causa desse aumento nos casos de câncer.
A situação do Vale do Jaguaribe reforça a correlação entre o uso indiscriminado de agrotóxicos e o surgimento de câncer, tendo como grandes responsáveis empresas que atuam na agricultura da região e que, como forma de maximizar os lucros, burlam e não seguem a legislação e tampouco as normas de segurança para os trabalhadores, para a população geral e também para o meio ambiente.
O que pode ser feito?
Para evitar o risco de câncer por exposição a elementos tóxicos à saúde em ambientes de trabalho, é imprescindível o uso adequado dos equipamentos de proteção individual (EPIs), como aventais plumbíferos, óculos protetores, máscaras com filtro, e muitos outros, a depender da atividade.
É importante lembrar que as empresas têm a obrigação legal de fornecer um ambiente de trabalho seguro ao profissional, assim como os devidos equipamentos de proteção relacionados às atividades realizadas pelo mesmo.
A exposição a agentes cancerígenos dificilmente terá consequências imediatas, o que tende a reduzir a percepção de risco por parte das pessoas e, assim, tornar ainda mais prolongado o tempo de exposição. Os danos em longo prazo, no entanto, tendem a ser muito elevados, especialmente quando somados à falta de informação em relação ao câncer e suas medidas de prevenção, assim como a outros fatores de risco, como tabagismo, obesidade e alcoolismo.
É essencial que, além de seguir as normas de segurança, as empresas invistam em treinamentos e ações educativas sobre segurança do trabalho. A conscientização dos profissionais acerca dos riscos ocupacionais a que estão expostos e da importância do uso adequado dos EPIs tem, certamente, um impacto significativo na prevenção do câncer relacionado ao trabalho.
Referência: Instituto Nacional de Câncer, Fiocruz.
Redação: Thomas Shepherd e Infinity Copy IA.